Contador secretária
Autor: Desconhecido
Centro de Fabrico: Desconhecido
Data: Século XVII
Material: Madeira e metal
Dimensões (cm): Alt. 196,3; larg. 141,5; prof. 59
N.º de Inventário: PD0296
«[M]óvel imponente, de dois corpos, com o superior mais recuado. Os dois corpos abrem‐se em duas portas e na parte superior do registo inferior a tampa desce, de forma a permitir ser usada como secretária. A decoração, em madeira entalhada, das portas inferiores e superiores, é mais uma vez de temática mitológica.
O tema nas duas portas superiores inspirou‐se na cena mitológica conhecida como o «Pomo da discórdia». Resumidamente, Páris, filho de Príamo, rei de Tróia, foi encarregado de decidir sobre a maior beleza entre as deusas, Hera (Juno), Atena (Minerva) e Afrodite (Vénus), decisão que lhe foi dada por Zeus (Júpiter) que mandou as três deusas ter consigo, conduzidas por Hermes (Mercúrio). Esta confusão fora gerada por Éris, a deusa da discórdia que, no casamento de Tétis e de Peleu, lançara para o meio de todos uma maçã que deveria ser entregue à mais bela das três deusas.
A cena gravada na portada esquerda mostra Páris, junto de Hermes, com a maçã na maão, a oferecê‐la a Afrodite, que aparece na portada da direita junto de seu filho Eros (Cupido) com o arco a tiracolo e as setas no chão (GRIMAL, 1992: 366 e 356).»
Eduardo Magalhães
“A Música nas coleções do Paço”
O corpo inferior do Contador apresenta‐se com outra cena mitológica mas, desta vez, sobre Dionísio (Baco) que, num carro puxado por um Bode e conduzido por um Putto (talvez o próprio deus) e sobre o carro, outro putto a tocar uma trompa (cornu romano).
O músico vai de pé no carro em forma de esqui ou trenó, atrelado a um bode, montado por outro putto que se equilibra agarrado a um dos chifres. A paisagem são duas árvores ou arbustos, na primeira das quais está pousada uma ave num dos ramos, parecida com uma garça, uma ave associada à simbologia de Baco.
Na almofada da porta da direita, encontramos o mesmo bode, com o putto músico desmontado e a segurá‐lo por um chifre e pela cauda e o outro putto a segurar‐lhe a cabeça. Uma terceira figura encontra‐se de pé, agarrada a um tronco de árvore, segurando na mão direita uma espécie de vara.
Nesta cena, o putto montado no bode pode interpretar‐se como sendo Baco, já que o próprio deus se transformava, por vezes neste animal. Neste sentido, a trompa sinaliza e soleniza a passagem do jovem deus. A almofada direita mostra o jovem Baco agarrado ao tronco do que se poderia presumir ser uma videira, segurando o tirso [uma das insígnias de Baco] na mão direita, na companhia dos outros dois putti, que seguram o bode.
Esta trompa, recurvada em círculo, imita o antigo cornu romano a que falta somente a barra a ligar o diâmetro do círculo para facilitar o manuseamento. Estas figuras que ficaram conhecidos na arte como putti aparecem recorrentemente como ornamento, às vezes sem um contexto específico.
O bode, além de ser um animal em que por vezes se transformava, era um dos animais que se lhe sacrificavam, juntamente com a lebre e a gralha. Esta cena do jovem Baco, nas duas portadas, pode interpretar‐se como uma evocação a esse atributo, à semelhança, por exemplo, do quadro seiscentista de Nicolás Poussin, “Bacchanale des Putti”, onde aparece Baco montado num Bode, com o tirso na mão direita e rodeado de Putti.»
Eduardo Magalhães
