Alegoria sobre o Paladar (1 de 2)
Autor: Desconhecido
Centro de Fabrico: Escola nórdica (?)
Data: Século XVII (?)
Material: Óleo sobre tela
Dimensões (cm): Alt. 50,5; larg. 66,5
Proprietário: Geosil – Empreendimentos Agrosilvícolas, S.A.
N.º de Inventário: PDdep0016
[Esta] «é uma reprodução de uma das gravuras da célebre série Os Cinco Sentidos, datada de ca 1638. O autor desta série, Abraham Bosse, foi o mais popular dos gravadores franceses da época, se considerarmos o grande número de reproduções que se disseminaram por vários países europeus a partir da primeira metade do século XVII. Educado como calvinista, gostava de redigir pequenos textos moralistas e transpor cenas dos evangelhos para as suas obras.
A gravura original permite um olhar sobre algumas transformações que se operavam à mesa e os novos usos e costumes a partir de 1600. A obra de Erasmo (De civilitate morum puerilium, Roterdão, 1530) tinha sido traduzida em França, em 1560, preconizando uma nova atitude sobre a organização do serviço e higiene relativamente à utilização de objetos. Em poucas décadas, a utilização do garfo, do prato disposto individualmente e da faca com a lâmina de bordo arredondado, tornou-se habitual nas mesas burguesas.
Contudo, no que toca à distribuição das iguarias, e contrariamente à forma clássica do serviço à francesa que já era assumido, desde o século XVI, na distribuição dos pratos durante os banquetes senhoriais, a gravura parece demonstrar a moda que fazia parte dos costumes do Antigo Regime francês, em que cada conviva só provava um número reduzido de iguarias dispostas na mesa em cada serviço. Daí a fama de sobriedade dos franceses entre os povos do leste e do norte da Europa (FLANDRIN; MONTANARI: 2001).»
Sasha Assis Lima
“A Flora nas coleções do Paço”
No centro da mesa, da obra em foco, sobre a toalha alva e finamente vincada, destaca-se uma alcachofra num prato colocado sobre um aquecedor que mantém a planta à temperatura ideal. Ambos os comensais seguram amplos guardanapos e o homem degusta o vinho de um copo de cristal com pé. Um pajem, com um jarro na mão, prepara-se para voltar a servi-lo com a bebida que decantou de uma garrafa que se encontra no refrescador. O próprio cão não foge à codificação das novas regras e educadamente recebe a refeição num prato.
Além da imagem central da alcachofra, um outro pajem aproxima-se da mesa, apresentando um fruto num prato. Observando representações mais fiéis ao original, percebemos que se trata de uma variedade de melão (Cucumis melo L.), provável antepassado do famoso melão de Cavaillon, da região de Provence, que tem o começo da sua plantação documentada no dealbar do século XVI com sementes trazidas dos estados papais em Itália. As variedades cultivadas já na Antiguidade registavam formas oblongas, conforme aos cultivares da Transcaucásia, uma das possíveis origens da sua domesticação.
[…]
[A] gravura manifesta uma importante mudança que já vinha a ter lugar algumas décadas antes da sua execução, tanto ao nível da escolha dos alimentos como ao nível da sua preparação. Durante todo o século XVII, em França, os pratos de legumes multiplicaram-se nos livros de cozinha ao mesmo tempo que, dietistas, preconizavam a utilização de cogumelos, alcachofras, cardos-hortenses, espargos e outros rebentos tenros, deixando de lado alimentos mais alimentícios como por exemplo os farináceos que tinham sido a base alimentar durante a Idade Média. Tal como transparece, os membros da elite social representada são modernos e estão a par da moda alimentar do seu tempo, quando o objetivo não era tanto ficar cheio, mas sim desejar diversificar os alimentos e restringir o apetite. (FLANDRIN; MONTANARI, 2001: 238).»
Sasha Assis Lima