Menino Jesus abraçando a Cruz
Autor: Desconhecido
Centro de Fabrico: Desconhecido
Data: Século XVIII
Material: Óleo sobre tela
Dimensões (cm): Alt. 91,9; larg. 71,2
Proprietário: Palácio Nacional da Ajuda
N.º de Inventário: PNA 66692
Esta pintura representa um tema por vezes tratado na iconografia cristã, e remete-nos para a vida de Cristo, juntando numa mesma imagem a sua meninice e a sua morte na Cruz.
A beleza serena do Menino Jesus, que enverga veste branca esvoaçante (símbolo de pureza) e cujo olhar parece fixar o nosso, contrasta com a Cruz que abraça – que sabemos simboliza a crucificação que Lhe está destinada – e com os pregos espalhados no chão e com os quais foi pregado na Cruz.
É como que uma premonição do que Lhe sucederá no Futuro (um Futuro que é Presente renovado todos os anos pelos cristãos…) e que nos recorda a finitude da vida e nos lembra que Cristo veio ao mundo (simbolizado em forma de esfera na base da Cruz) para redimir os nossos pecados (repare-se na maçã simbolizando o pecado original, e na serpente enroscada sobre o “mundo”, simbolizando a tentação e o pecado).
“A Flora nas coleções do Paço”
«O papel desempenhado pelo carvalho como a “árvore da vida”, é anterior aos testemunhos da história escrita. Antes do desenvolvimento da agricultura na Mesopotâmia e Médio Oriente, a cultura e transporte de carvalhos disseminaram-se pela Eurásia, ligados a toda a atividade humana, à medida que o clima aquecia. Os carvalhos foram um valioso recurso alimentar, como sugerem as evidências do consumo de bolotas de espécies do Quercus ithaburensis e Q. calliprinos em grutas que foram ocupadas pelos humanos.
Os laços entre os humanos e os carvalhos reforçaram-se continuamente, não só pelo fornecimento das bolotas, mas também pela totalidade do uso das partes da árvore para a medicina, o combustível, a habitação e as representações simbólicas. Indubitavelmente, os carvalhos facilitaram o estabelecimento das primeiras povoações na Europa. Durante a Idade do Bronze, a maioria das habitações lacustres, construídas em estacaria na margem dos lagos, eram feitas de troncos de carvalho.
Através desta relação próxima e a observação direta da sua longevidade, força, estabilidade, resistência e fertilidade, as árvores ficaram associadas aos valores mais nobres da honra, bravura e justiça, identificadas com os deuses supremos da Antiguidade tanto do Mediterrâneo como do norte da Europa (Zeus, Júpiter, Thor, Jumala) (BROSSE, 1989).
Os relatos históricos mais antigos informam-nos da relevância espiritual dos carvalhos nas práticas animistas dos povos Celtas, que se tinham expandido por várias regiões da Europa. Os ritos celebratórios do mundo natural tinham por cenário os bosques de carvalho, onde os Druídas, representavam a interligação entre os homens e o submundo através das raízes da árvore e a sua interconexão com o firmamento espelhada na miríade de troncos que se elevavam aos céus. Embora sem consenso alargado entre os etimologistas, a própria palavra druida parece provir de dru‐wid, formada pela junção de deru (carvalho) e wid (raiz indo-europeia do verbo saber).
É provável que as versões, que se vieram a multiplicar relativamente ao tipo de madeira que teria estado na base do lignum vitae ser identificado com o lenho sagrado da paixão de Cristo, tenham surgido no contexto das culturas prevalentes latina, grega e do próximo Oriente onde se estabeleceram os primeiros textos patrísticos. Assim o cedro, a oliveira, e o pinheiro, ou ainda o cipreste, palmeira e buxo aparecem como árvores de onde a madeira proveio para a lenda da cruz compósita da paixão onde se atribuíam diferentes atributos da ordem salvífica a cada variedade das madeiras. Uma outra versão de cariz poético, indica a madeira do choupo da qual se fez a cruz e, por isso, as suas folhas tremem ao sopro da mais pequena brisa, pela horrível tristeza e profunda culpa que a árvore sente.
Contudo, o carvalho, através das alusões em mitos celtas e nórdicos, configurando a árvore da vida ancestral, reaparece nos eventos fundadores da religião cristã, à medida que a conversão dos povos se foi efetuando, não obstante pouco dessa história ter sido preservada.
As relíquias do santo lenho eram das mais valiosas que proliferaram por vários recintos religiosos, sendo que a maioria seria de madeira de pinheiro, embora Justus Lipsius (1547-1606), um humanista católico flamengo, formado em filologia e filosofia, com vasta sapiência empírica, tenha chegado à conclusão que os fragmentos que tinha observado eram provavelmente das espécies de carvalho comuns na Palestina (LIPSIUS, 1670).
Nessa perspetiva, é provável que a árvore representada à direita na pintura Menino Jesus abraçando a cruz […] não seja só um provável carvalho-alvarinho (Quercus robur), como a representação de uma das árvores de cuja madeira a cruz teria sido feita.»
Sasha Assis Lima