PD0350

Atril / Estante de Missal
Autor: Desconhecido
Centro de Fabrico: Desconhecido
Data: Século XVI
Material: Ferro
Dimensões (cm): Alt. 50,3; larg. 56; comp. 70,5
N.º de Inventário: PD0350

«O conceito dos anjos remonta à civilização persa, mais propriamente ao Mazdeísmo, fundado por Zaratustra (ou Zoroastro). Na base da sua religião, havia duas divindades opostas que se podem “traduzir” no princípio cristão do bem (deus – Omuz‐Mazda) e do mal (diabo – Arimã). Para proteger os humanos e orientá‐los no bem, esta religião concebeu uma série de seres superiores cada qual corresponde ao que podemos chamar virtudes ou conceitos morais a quem se podia recorrer para evitar cair no mal. Este conceito dos espíritos protetores foi assimilado pelos judeus, cativos na Babilónia, e transmitidos aos cristãos quando o cristianismo se desenvolveu com base no judaísmo. Os países vizinhos também foram influenciados por esta cultura persa, como foi o caso da Grécia. A representação iconográfica destes seres alados, pode ter sido concebida a partir da figura mitológica grega, a deusa da vitória, Niké, numa primeira fase assexuada e, posteriormente, masculinizando‐se.
[…]
O Hermes da mitologia grega, transformado em Mercúrio na assimilação romana, era um deus multifuncional, possuindo vários atributos entre os quais umas sandálias mágicas, com asas, para se deslocar mais velozmente. Já a Mercúrio, Júpiter acrescentou duas no elmo para alcançar maior velocidade. Esta associação das asas com os mensageiros poderá remontar à utilização do pombo‐correio, comprovada a partir do ano 6.500 a.C. (MAGALHÃES, 2018: 172).

Quem primeiro teorizou sobre os anjos foi Dionísio, conhecido como o Areopagita, que se dizia convertido e discípulos de S. Paulo. Escreveu vários textos e num deles, De coelesti hierarchia, que apresentou em 15 capítulos, desenvolve uma descrição sobre a hierarquia celeste onde apresenta as entidades angelicais que intermediavam a divindade e os humanos.

Cada uma das ordens que menciona, agrupou‐as por funções específicas. Este Dionísio, que a Igreja celebra como santo a 3 de outubro, viria a ser contestado na sua autenticidade histórica, acabando no século XIX a ser conhecido como Pseudo‐Dionísio. De qualquer forma, os seus textos atravessaram toda a Idade Média como verdades incontestadas. Até ao século XVI, foram considerados textos apostólicos, logo inquestionáveis (MAGALHÃES, 2018: 173).

No século XII, o monge Bartolomeu de Inglaterra, apoiado neste conceito de Dionísio, escreveu De Proprietatibus Rerum (Sobre a Propriedade das Coisas), uma obra traduzida para o castelhano em 1494, e que subdividiu em vários livros. Na apresentação do II Livro, “el qual trata de los Angeles buenos y malos y de sus propriedades“, o autor apresenta uma imagem com as três ordens celestes, em grupos de quatro anjos para cada nível. A última, onde se incluem os anjos, é apresentada com cada um deles a tocar o seu instrumento musical: alaúde, rebab, trombeta e flauta (?) e tambor (anjo tamborileiro).»
Eduardo Magalhães

“A Música nas coleções do Paço”
«Embora não conste da lista dos objetos imprescindíveis em cima do altar, a estante é um utensílio quase obrigatório para a colocação dos livros dos diferentes ritos aí oficiados. O altar primitivo dos primeiros cristãos era uma mesa de madeira transportável, devido às perseguições. A partir do século IV, começou a ser de pedra e fixo no chão e desde o século XII que passou a ser obrigatório este tipo fixo de altar (JUNGMANN, 1962: 63). Estes livros para o serviço do oficiante tomam mesmo o nome de Livros de altar, um pouco por oposição a Livros de Coro, os livros para os cantores.
[…]
Embora as estantes não fossem consideradas objetos intrínsecos aos rituais eram, no entanto, extremamente práticas para a colocação dos livros necessários. Enquanto as dos livros de coro, pelo seu tamanho e pelo incómodo de estar sempre a movê‐las, se mantinham no lugar mais apropriado à sua utilização, as estantes de altar podiam facilmente ser removidas e arrumadas. As utilizadas para os coros eram maiores, de pé alto, algumas delas em forma de pirâmide triangular e, muitas vezes, rotativas. Permitiam, deste modo, o suporte de dois livros ao mesmo tempo, um para cada lado do coro no Ofício, por exemplo, ou diferentes, caso o ritual assim o necessitasse. A este tipo de estante chama‐se, vulgarmente, facistol.
[…]
Pelo respeito que lhes conferiam os livros que suportavam, as estantes eram com frequência objeto de riquíssimas e criativas decorações, fossem estantes em madeira ou em metal, como é o caso desta estante ou atril. Tem a forma de prisma triangular o que permite a colocação de dois livros assentes nos seus planos inclinados, nos rebordos que possui na base para ajudar na sustentação.

Este atril de altar […] está decorado nos seus dois planos: num deles tem a figura de um santo com vestes episcopais, de pé, com o báculo na mão esquerda e a mão direita em posição de bênção. No plano oposto, estão representados três anjos sobre nuvens. O anjo da esquerda segura uma filactera onde se podem ler, embora bastante esbatidas, as palavras Ave Maria. O anjo do meio, de mãos postas, está em atitude de oração. O anjo da direita toca uma trombeta, um instrumento anunciador, neste caso, da palavra de Deus guardada nos livros sagrados que a estante sustenta e (pode entender‐se) representada na postura do anjo do centro.

Os anjos trombeteiros encontram‐se no Apocalipse de S. João quando o apóstolo descreve a destruição do mundo. O apóstolo enumera sete anjos, cada qual com a sua trombeta, dando origem à destruição gradual da Terra à medida que cada um vai tocando, à vez, a sua trombeta. (BÍBLIA: pp. 1618‐1622) Este texto cristão fundamenta toda uma iconografia de anjos trombeteiros que a arte viria a desenvolver em múltiplos contextos.»
Eduardo Magalhães